Eu sou da Guatemala, um país considerado a terra prometida da América Latina. Alguns anos atrás, um estudo relatou que a Guatemala era 97% cristã (protestantes e católicos inclusos). Esse mesmo estudo afirma que cerca de 35% da população do país se identifica como evangélica. Não é surpreendente, então, que a Guatemala esteja vendo o crescimento de megaigrejas com dezenas de milhares de membros, nas quais a teologia da prosperidade é pregada toda semana. Não é nem preciso dizer que a Guatemala não é tão evangélica como nós gostamos de pintá-la e precisa do evangelho tanto quanto sempre precisou.
Depois de falar sobre isso com a equipe da “Coalición por el Evangelio” e com minha esposa, decidi visitar uma dessas megaigrejas e compartilhar minha experiência.
Semelhanças Surpreendentes, Diferenças Fundamentais
Minha esposa e eu entramos na propriedade da igreja através da entrada que possuía quatro pistas para carros. Imediatamente me veio à memória nossa visita a Disney World no ano anterior. Um sistema de estacionamento bem-estruturado e organizado permitia que muitas pessoas chegassem, encontrassem uma vaga e se juntassem às outras milhares de pessoas entrando no edifício — tudo isso em questão de minutos. Fiquei impressionado!
O culto já havia começado, e nós fomos surpreendidos pelo grande palco, pela produção musical e pelo excelente espetáculo. Embora nós tivéssemos chegado em cima da hora para o culto matutino, já havia milhares de pessoas presentes cantando e batendo palmas junto com a dúzia de músicos no palco. Pudemos ver tudo isso enquanto uma obreira nos levava a nossos lugares. Foi incrível ver tantas pessoas em um lugar só aparentemente cantando para Jesus.
As músicas de adoração continuaram durante a próxima hora. Ouvi músicas que já havia cantado em muitas outras igrejas. Músicas do Hillsong e de outros artistas contemporâneos, bem como canções clássicas de adoração que existem na igreja latino-americana há anos. Depois da música, um dos pastores deu uma rápida boa-vinda e fez alguns anúncios. Virei-me para a minha esposa e disse: “Isso não é tão ruim. Eles realmente não falaram nada de errado”. Minha esposa sorriu e respondeu: “Bem, eles realmente não disseram nada ainda.” Deus a abençoe por sua sabedoria.
Naquele domingo eles estavam celebrando a Ceia do Senhor, e ela foi celebrada quase da mesma maneira que já vi em muitas igrejas menores. O pastor leu 1 Coríntios, mencionou a necessidade de arrependimento, comeu o pão, bebeu o vinho (suco, na verdade) e orou.
Finalmente, o mesmo pastor abriu sua Bíblia. O que eu pensei que seria o início do sermão na verdade era apenas uma introdução à oferta. O pastor leu Jó 1.8-10, uma escolha surpreendente de leitura e não tão fácil de se interpretar. Ele a interpretou desta maneira: Jó era um homem que dava oferendas e sacrifícios a Deus diariamente. O próprio Diabo sabe que, quando ele ofertava ou oferecia o dízimo, Deus colocava uma cerca de proteção em torno dele e de seus pertences. Por isso, devemos dar para que possamos ser abençoados e para que nossa bênção possa ser protegida do Diabo.
Depois de deixar alguns minutos se passarem para as pessoas encherem seus envelopes com dinheiro, cheques ou informação sobre seus cartões de crédito, ele terminou com uma oração declarando: “Deus colocou sua cerca de proteção em torno de nós e prometeu nos fazer prosperar.”
Mutilando a Bíblia
Achei que nunca mais ouviria uma interpretação pior de Jó na minha vida. Eu estava errado.
O pastor pregador principal estava de férias, por isso um palestrante de outro país foi convidado a pregar. Ele caminhou até o palco e, depois de contar várias piadas, começou a relatar a história de Jó. Jó era o homem mais rico e mais justo do mundo. O livro de Jó é sobre como Satanás atacou-o para tirar suas riquezas, mas como, no final, Deus inverteu esses ataques e os transformou em bênçãos. Satanás odeia quando oferecemos sacrifícios a Deus, porque esses sacrifícios garantem uma cerca de proteção (na verdade, guarda-costas angelicais) em torno de nós. É por isso que Satanás tirou primeiro os animais de Jó — assim ele não poderia mais sacrificar animais para ter a cerca de proteção.
Mas Deus prometeu a Jó que não apenas iria restaurá-lo, mas que lhe daria mais do que ele tinha antes. Tudo porque ele continuou a ser fiel. O pregador então fez referência a Êxodo 22:7: “Se alguém entregar ao seu próximo dinheiro, ou objetos, para guardar, e isso for furtado da casa desse homem, o ladrão, se for achado, pagará o dobro.”.
O que este versículo significa? O pregador alegou que era simples entendê-lo: quando um ladrão é descoberto, a pessoa que foi roubada deve receber não só o que foi roubado, mas o dobro. Jó se confundiu quando pensou que era Deus quem estava causando tudo isso a ele, já que era na verdade o Diabo quem estava roubando Jó. Então Deus desceu à terra e disse a Jó: “Não fui eu! Eu não tirei todas essas coisas de você! Foi o diabo!”. Deus nunca tira, ele apenas dá! Deus não permite que coisas ruins aconteçam com você; ele só permite coisas boas. Somente quando Jó entendeu quem era o ladrão verdadeiro é que ele pôde receber a bênção dupla devida a ele. E, como esperado, Jó 42.10 diz: “O Senhor, pois, virou o cativeiro de Jó, quando este orava pelos seus amigos;. e o Senhor deu a Jó o dobro do que antes possuía”.
O pregador terminou dizendo que Deus tem o poder de reverter o que o Diabo tem feito contra nós e que todos têm o poder de declarar que o ladrão foi descoberto. Ao fazê-lo, podemos reivindicar nossa dupla bênção. É importante mencionar que, durante o seu sermão, homens e mulheres estavam andando quietamente até a frente e deixando dinheiro no palco, o que resultou numa grande pilha visível de onde eu estava sentado, a dezenas de metros de distância.
Depois, um dos pastores aproximou-se e orou: “Nós não apenas declaramos que tudo o que perdemos deve ser restituído, mas declaramos que Deus nos deve o dobro”. Ele continuou a se dirigir a Deus antes de se dirigir de repente a Satanás: “Deixe-nos em paz! Retorne para nós o que é nosso por direito! Você é um ladrão sujo!”. Finalmente o culto terminou com mais música e com batalhões de gente se apressando para a saída na esperança de evitar o trânsito.
Quatro Lições
A experiência me deu muito sobre o que pensar. Aqui estão quatro coisas que concluí.
1. É fácil fazer a Bíblia dizer o que você quiser.
O Livro de Jó não é uma história sobre como Satanás atacou a Jó para tirar suas riquezas só para Deus reverter esses ataques e transformá-los em bênçãos. É sobre um homem cuja fidelidade a Deus foi testada e que, embora não entendesse as razões de suas perdas, nunca duvidou da bondade de Deus (Jó 13.15). Trata-se de um homem que amava a Deus, mesmo tendo perdido todos os seus bens terrenos e filhos. É sobre o sofrimento (Jó 1.13-22).
Em última análise, a história é realmente sobre Deus. É sobre um Deus cujos pensamentos são mais altos do que os nossos (Is 55.8-9). É sobre um Deus que dá e tira de acordo com seu conhecimento (Jó 1.21). É sobre um Deus cujos desígnios não se pode compreender plenamente (Jó 38). É sobre um Deus em quem podemos confiar, mesmo quando perdemos todas as coisas.
Se nos aproximamos das Escrituras apenas alguns versículos de cada vez, facilmente mudamos sua mensagem para adaptá-la à nossa própria. A Bíblia é a chave de sua própria fechadura, e devemos deixá-la interpretar-se a si mesma. Leia-a. Estude-a. Ore meditando nela. E não ensine a respeito dela até que você a entenda por inteiro.
2. Um falso ensino pode ser facilmente escondido sob um cristianismo superficial.
Depois de uma hora nessa igreja, eu não tinha ouvido qualquer ensinamento explicitamente falso. Na verdade, ela parecia como qualquer outra igreja, apenas maior. As mesmas canções, o mesmo jargão e as mesmas ações que você veria em qualquer outra igreja eram comuns aqui. No entanto, como minha esposa deixou claro para mim, durante toda essa hora não aconteceu apenas de não termos ouvido o evangelho; nós não tínhamos ouvido nenhum ensinamento explícito sobre toda a fé cristã. Isso não é nada mais do que o cristianismo superficial, e ele é o disfarce perfeito para o ensino falso.
Um pregador da prosperidade pode pregar coisas verdadeiras, mas sempre como um meio para outra coisa. Ele pode usar os mesmos termos, vestir as roupas certas, ajudar os pobres e citar passagens da Bíblia. Contanto que as aparências sejam mantidas, pode-se pregar sua própria mensagem.
Embora isso seja mais evidente em falsos mestres, todos somos culpados deste pecado em algum grau. Afinal, quem nunca tentou ter a melhor aparência, fazer as coisas certas e agir da forma mais cristã possível para esconder a sujeira que reside no interior (Mt 11.23-26)? Precisamos de Jesus. Se nosso exterior não corresponde ao nosso interior, é hora de orar por arrependimento e correr para Jesus (1 Jo 1.9-10).
3. É fácil focar nas coisas erradas.
O real problema dessa igreja não é que ela era muito grande, ou que a música era demasiada alta, ou que o pastor contou algumas piadas. Essas coisas não são inerentemente pecaminosas e não devem estar no centro da nossa discussão.
Não me importo se a sua música é alta, desde que sua teologia seja mais alta. Não me importo se a sua igreja é grande, desde que a sua visão de Deus seja maior. Não me importo se seu palco tem luzes brilhantes, desde que seu amor por Cristo seja mais brilhante. Não me importo se você contar uma piada ou duas, desde que você seja sério sobre o evangelho. Não se incomode com coisas periféricas; incomode-se pelo evangelho não estar sendo pregado.
4. As pessoas precisam de Jesus, não de sua crítica sarcástica.
Muitos dos artigos, vídeos e outros recursos que lidam com a teologia da prosperidade são caracterizados mais pelo ódio do que pelo amor. Em nossas tentativas honestas de denunciar os falsos mestres, muitos de nós têm se voltado para métodos de ridicularização e constrangimento em vez de falar a verdade em amor (Ef 4.15; 2 Tm 2.24-26). Preferimos zombar e ridicularizar um pregador da teologia da prosperidade do que mostrar compaixão a um seguidor desta teologia e andar junto com ele para ensiná-lo a verdade das reais boas novas.
A intenção deste artigo não é que você o compartilhe com um amigo que frequenta uma igreja da teologia da prosperidade a fim de provar que ele está errado ou de fazê-lo se sentir estúpido. Pare de tentar denunciar com tanto vigor estes falsos mestres em sua página do Facebook e, em vez disso, foque-se em conduzir carinhosamente seus seguidores a Cristo. Muitos de nós oramos (ou pelo menos pensamos) a oração do fariseu — “ó Deus, graças te dou que não sou como os demais homens, – Obrigado Deus por nāo me fazer como eles!” (Lucas 18.9-14) —, quando deveríamos estar com o coração partido por tantos estarem cegos e terem sido extraviados do rebanho de Cristo.
Não precisamos compartilhar mais um vídeo retratando mais uma coisa ridícula que aconteceu numa igreja da teologia da prosperidade; precisamos começar a compartilhar o evangelho com as pessoas, uma a uma, explicando pacientemente por que o Rei Jesus é melhor do que qualquer promessa de prosperidade terrena.
Traduzido por Rebeca Romero.
Steven Morales é Diretor de Mídia Digital da The Gospel Coalition. Ele lidera a equipe de web e mídia da TGC, supervisionando o site e todo o conteúdo de mídia. Anteriormente, atuou como diretor de operações da site em espanhol da The Gospel Coalition, Coalición por el Evangelio. Steven mora em Atlanta com sua esposa, Gabriela.
fonte https://coalizaopeloevangelho.org/article/visitei-uma-megaigreja-que-prega-a-teologia-da-prosperidade/