
or Joseph Daniel, membro do ICC
Em apenas algumas semanas, o regime de Assad na Síria mudou de aparentemente manter um controle firme sobre um status quo indefinido para se tornar uma relíquia da história. O ex-presidente Bashar al-Assad fugiu do país; seu governo foi desmantelado enquanto várias forças da oposição síria esculpiam zonas de controle. A nação agora está em uma encruzilhada, incerta sobre o que o futuro reserva.
Quase 50 anos de governo da família Assad — primeiro sob Hafez al-Assad e depois por 24 anos por seu filho, Bashar al-Assad — chegaram ao fim. O legado do regime é marcado por repressão generalizada, do massacre de Hama em 1982 aos crimes de guerra durante a ocupação do Líbano pela Síria, a opressão cultural da minoria curda e, mais recentemente, atrocidades contra civis durante a guerra de 13 anos na Síria.
Desde que a revolução síria começou em março de 2011, desencadeada pela Primavera Árabe mais ampla, o regime de Assad travou uma guerra brutal contra as forças da oposição. Este conflito custou mais de meio milhão de vidas, deixou centenas de milhares de desaparecidos e deslocou milhões, levando à maior crise de refugiados do mundo na época.
Com a queda do governo de Assad, apesar da incerteza e dos desafios que virão, há momentos surreais de celebração e alegria nas ruas da Síria e entre os sírios espalhados pelo mundo. Histórias emocionantes de pessoas que ficaram presas por décadas em instalações notórias como a prisão de Sednaya, agora reunidas com suas famílias, estão sendo compartilhadas com o mundo. Há um senso de justiça à medida que surgem imagens de palácios governamentais — símbolos da riqueza extravagante que os sírios sentem que drenou o país para a pobreza — sendo tomados por forças rebeldes. A apreensão das instalações de produção de drogas Captagon, que abasteciam o narcoestado da Síria, é um alívio para as nações vizinhas que têm lutado para conter seu comércio devastador.
Falar sobre reconstruir a Síria e elevar seu povo pobre em direção à estabilidade econômica enche muitos de esperança por dias melhores pela frente. As ruas estão cheias de comemoração, marcando o fim de uma luta que começou há mais de uma década. Enquanto o mundo mudou e o Oriente Médio seguiu em frente desde as revoluções da Primavera Árabe, a Síria decaiu para uma das piores tragédias do século XXI. Mas esse capítulo da “história síria” finalmente terminou em 8 de dezembro de 2024.
Em meio às celebrações, a questão séria sobre o que vem a seguir paira no ar. Palavras e promessas de uma Síria melhor para todos os sírios pairam no ar, mas a realidade é incerta. Assad se foi, mas quem ou o que o substituirá? Há pouca dúvida de que a próxima liderança da Síria será muito diferente do regime de Assad, mas trará mudanças positivas ou um destino pior? Apesar de sua ditadura brutal, governança desastrosa e a devastação da economia do país — que deslocou metade da população — Assad era visto por muitos, especialmente minorias religiosas não sunitas, como um protetor contra a ascensão de grupos jihadistas sunitas extremistas que ganharam força durante a guerra.
Para essas minorias, o medo perdura junto com a felicidade surreal. Suas memórias recentes de violência sectária alimentam uma profunda ansiedade, especialmente com a realidade de que Hay'at Tahrir al-Sham (HTS), um poderoso grupo militante islâmico, agora controla grande parte do país, incluindo a capital central de Damasco. A tensão é palpável enquanto os sírios enfrentam um futuro incerto, incertos se esta nova era trará paz ou mais conflitos.
Por que muitas das minorias religiosas da Síria, especialmente os cristãos, viam Assad como um protetor? A família Assad pertence aos alauítas, uma seita minoritária do islamismo considerada pouco ortodoxa por alguns muçulmanos, incluindo grupos jihadistas. Embora a Síria seja uma nação de maioria sunita, ela é governada pela família alauíta Assad desde 1974. Seu regime baathista promoveu uma governança nacionalista árabe amplamente secular. Enquanto a lei síria impôs restrições às conversões muçulmanas e sustentou leis familiares e de status pessoal de orientação islâmica, como é comum em muitas nações de maioria muçulmana, o governo Assad buscou manter um delicado equilíbrio religioso. Isso ajudou a suprimir grupos políticos islâmicos sunitas, como a Irmandade Muçulmana, que poderiam ameaçar seu governo.
A estratégia mais ampla do regime de Assad de secularizar o sistema político, principalmente para garantir seu poder, levou a repressões rigorosas sobre quaisquer movimentos políticos ou religiosos que pudessem desestabilizar a diversidade religiosa da Síria. Um resultado positivo indireto dessa abordagem foi que as minorias religiosas, incluindo cristãos, foram protegidas de grupos islâmicos radicais que poderiam atacá-los — semelhante ao que aconteceu no Iraque após a queda do regime de Saddam Hussein no início dos anos 2000.
Enquanto os cristãos sírios aderiram às leis estaduais, evitaram proselitismo aberto de muçulmanos, se abstiveram de críticas públicas ao regime e não perturbaram a ordem política, eles foram amplamente protegidos sob o governo de Assad. Esse senso de proteção, em contraste com a ameaça representada por movimentos islâmicos não estatais, é o motivo pelo qual muitos cristãos viam Assad como uma salvaguarda contra o extremismo religioso.
Durante a Guerra Civil Síria (2011–2024), muitos cristãos sírios em grandes centros populacionais como Damasco, Homs e Aleppo preferiram o governo de Assad às administrações rebeldes. Isso ocorreu em grande parte porque os grupos rebeldes eram dominados por facções extremistas como a afiliada da Al-Qaeda Hay'at Tahrir al-Sham (HTS), o grupo Estado Islâmico (ISIS) e o Exército Nacional Sírio (SNA), todos os quais cometeram atrocidades contra cristãos e outras minorias religiosas em áreas sob seu controle. Em lugares como Idlib, onde o HTS detinha o poder fora do controle de Assad por mais de cinco anos, as comunidades cristãs outrora presentes foram exterminadas.
Nas batalhas por Homs e Aleppo, os cristãos foram alvos específicos — enfrentando assassinatos, apreensões de propriedades, sequestros e outros atos de terror. Durante os últimos três a quatro anos, grande parte do trabalho da International Christian Concern (ICC) na Síria se concentrou em ajudar os cristãos a reconstruir cidades como Aleppo e Homs, bem como em vilas cristãs próximas que sofreram sob os precursores do HTS. Dado esse contraste, a relativa segurança fornecida pelo regime de Assad, comparada à ameaça direta representada por grupos rebeldes extremistas como o HTS, ofereceu razões pragmáticas para os cristãos preferirem viver em áreas controladas pelo governo em vez de territórios governados por forças rebeldes.
Os cristãos serão perseguidos na 'Nova Síria'?
Mesmo com as forças do HTS assumindo o controle de Damasco, a Síria continua dividida em várias zonas, como tem sido por vários anos. Os cristãos também não estão distribuídos uniformemente por todo o país. A maioria dos cristãos restantes da Síria está concentrada em grandes cidades como Damasco, Aleppo e Homs, com comunidades menores em vilas a oeste de Homs e Hama e cidades do nordeste como Hasakeh e Qamishli. Embora os números exatos sejam difíceis de estimar devido à instabilidade da última década, acredita-se que desde que o conflito começou em 2011, a população cristã da Síria diminuiu de 70% a 80% em relação aos níveis anteriores à guerra. Conflito, deslocamento, terrorismo, perseguição direcionada e colapso econômico contribuíram para esse declínio acentuado. A comunidade cristã da Síria é diversa, consistindo de denominações ortodoxas, católicas e protestantes, juntamente com um pequeno número de grupos informais de convertidos de origens muçulmanas.
Então, o que o futuro reserva para a comunidade cristã restante da Síria em meio a essa mudança política repentina? Embora o futuro seja profundamente incerto, dois preditores principais oferecem insights: primeiro, as palavras e garantias dos novos poderes governantes e, segundo, e talvez o mais importante, as ações e atitudes passadas desses grupos em relação aos cristãos no cenário em evolução da “Nova Síria”.
HTS e cristãos em Aleppo, Homs e Damasco
A maioria dos cristãos da Síria vive nas três maiores cidades do país — Damasco, Aleppo e Homs — enquanto comunidades menores residem em vilas vizinhas. Desde 2016, essas cidades estão sob o controle de Assad, mas em uma rápida ofensiva no final de novembro e dezembro de 2024, elas caíram para o grupo rebelde Hayat Tahrir al-Sham (HTS). O futuro dos cristãos sob o governo de transição do HTS é incerto, pois sua retórica atual contrasta fortemente com suas ações passadas. O HTS, anteriormente conhecido como Frente Al-Nusra e outrora um desdobramento da Al-Qaeda até se separarem em 2016, tinha um histórico de perseguição a cristãos em áreas que controlavam.
No entanto, o HTS agora afirma almejar uma transição pacífica que prometa segurança, prosperidade e inclusão para todos os sírios, incluindo minorias como cristãos, alauítas e drusos. Sua mensagem pública enfatiza a boa vontade e convida todos os sírios a participar da reconstrução de um país unificado, desde que estejam comprometidos em superar o conflito de uma década.
Duas questões-chave permanecem, com respostas que só o tempo revelará. Primeiro, as promessas do HTS são sinceras e se traduzirão em políticas reais que protejam as minorias, apesar das divisões sectárias internas? Ou isso é meramente um esforço de relações públicas visando reformular a marca do grupo e ganhar legitimidade internacional, mantendo seu tratamento anterior da era da Al-Qaeda aos cristãos? A segunda questão é se os grupos rebeldes fragmentados da Síria se unirão sob um governo coeso com uma constituição reformulada que garanta os direitos das minorias, a reconstrução nacional e a paz — ou se o país permanecerá dividido em zonas de controle concorrentes, deixando minorias vulneráveis como os cristãos presas no fogo cruzado. A população cristã já decrescente pode encolher ainda mais se isso ocorrer.
Turquia e o SNA no Norte da Síria
Outra questão crítica é o papel contínuo da Turquia na “Nova Síria”. O principal aliado da Turquia nos últimos anos tem sido o Exército Nacional Sírio (SNA). Desde a Primavera Árabe em 2011, a Turquia se opõe ao regime de Assad, apoia vários grupos rebeldes e, desde 2016, se concentra em desalojar as forças curdas no norte da Síria. Embora a Turquia tenha apoiado o HTS, eles não foram o principal representante; a aliança foi baseada em um inimigo compartilhado em Assad.
Após a queda de Assad, a Turquia continua sendo a potência regional dominante mais próxima do novo governo do HTS. Ela rapidamente se moveu para fortalecer seu apoio ao HTS em Damasco, assim como fez na província de Idlib durante a guerra. Além disso, a Turquia mobilizou seus aliados do SNA para atacar a administração autônoma liderada pelos curdos no nordeste da Síria. O SNA enfrentou acusações de limpeza étnica e ataques contra cristãos, yazidis e outros locais culturais nas áreas que eles controlaram durante o conflito.
A influência da Turquia na formação do futuro do governo da Síria será crucial nos próximos anos, particularmente no que diz respeito às liberdades religiosas e ao tipo de sistema islâmico que o HTS implementará. A direção que a Turquia tomar em suas negociações com o novo governo sírio pode influenciar significativamente o cenário político e religioso da Síria.
SDF e cristãos na Administração Autônoma do Norte e Leste da Síria
As Forças Democráticas Sírias (SDF) continuam a controlar cerca de um terço do território da Síria no norte e leste. Lideradas por uma autoadministração curda, que se formou como uma força de combate eficaz contra o ISIS, as SDF receberam apoio militar dos EUA, incluindo armas, treinamento e a presença de bases militares dos EUA na Síria para operações antiterrorismo. As SDF expressaram interesse em negociar a reintegração em um novo governo sírio, mas sob condições e garantias específicas.
A Administração Autônoma do Norte e Leste da Síria (AANES), que governa este território, se posicionou como um modelo de coexistência entre as diversas comunidades étnicas e religiosas da Síria. Embora seu histórico não seja impecável, a AANES agiu como um baluarte contra ataques a vilas cristãs pelo Exército Nacional Sírio (SNA) e pelo ISIS durante a guerra civil.
Embora muitos cristãos tenham fugido de suas comunidades históricas em cidades como Qamishli, Raqqa e Hasakeh, um pequeno número permanece, esperançoso de que sua proteção continuará sob as SDF ou qualquer acordo político futuro na Síria. Recentemente, a Turquia aproveitou a mudança da situação geopolítica na Síria para intensificar seus ataques às forças curdas no norte, acusando-as de laços com o PKK, um grupo militante curdo que a Turquia tem combatido por quase quatro décadas.
O trabalho realizado pela AANES nos últimos anos, particularmente após a derrota do ISIS na Síria, é notável, dados seus desafios internos e externos. Seus esforços para construir uma administração funcional e promover a paz entre diversos grupos étnicos e religiosos devem ser reconhecidos e fortalecidos no futuro da Síria. Se a nova liderança síria leva a sério o respeito às minorias, eles devem olhar para a AANES como um modelo e trabalhar para integrá-las pacificamente em uma Síria unida, em vez de permitir que potências externas como a Turquia interrompam esse processo com ataques.
Esta é uma área em que os Estados Unidos têm um papel direto a desempenhar na Síria pós-Assad. Os EUA devem intermediar a paz entre as SDF, seus aliados anti-ISIS e a Turquia, aliada da OTAN. Apoiar e proteger vozes comprovadas de coexistência religiosa durante a crise síria — como a AANES — é crucial para promover a liberdade religiosa na Síria. Os EUA devem priorizar soluções de longo prazo que protejam as liberdades religiosas, em vez de promessas de curto prazo de partes que não demonstraram um compromisso consistente em respeitar essas liberdades.
O que vem a seguir?
Mudanças substanciais na Síria levarão, sem dúvida, vários anos, provavelmente bem depois que as manchetes em torno do país tiverem desaparecido. Pode levar anos até que as eleições possam ocorrer e os grupos rebeldes sejam transformados em instituições estatais funcionais. Após 13 anos de crise, a Síria exigirá um tempo ainda maior para se reconstruir. Há várias questões-chave a serem observadas nos próximos meses que moldarão o cenário da liberdade religiosa da Síria e determinarão se os cristãos da Síria enfrentarão mais perseguições ou desfrutarão de melhorias graduais em suas liberdades religiosas.
Primeiro, a retórica e as ações de Al-Julani e do grupo HTS continuam sendo um ponto de interrogação significativo. Até agora, sua retórica sugere um compromisso com a proteção de minorias; no entanto, dada a instabilidade em andamento, há um risco de que outros grupos militantes possam explorar o vácuo de poder, potencialmente mirando minorias como cristãos, como visto no Iraque após a invasão liderada pelos EUA que derrubou Saddam Hussein no início dos anos 2000.
Uma segunda questão a ser monitorada é o conflito no nordeste da Síria, onde as forças turcas e o SNA continuam a atacar as forças curdas. Se a Síria e os atores internacionais realmente buscam um futuro mais tolerante e aberto, é crucial agir agora para acalmar a situação no norte. A AANES deve ter um assento na mesa de negociação para ajudar a reescrever a constituição da Síria e formar uma nova administração inclusiva.
A terceira questão é o deslocamento e o potencial de retorno. As notícias iniciais da queda de Assad provocaram excitação global entre os milhões de deslocados da Síria, tanto internamente quanto no exterior, com esperanças de retornar para casa altas. Muitos cristãos partiram durante a ofensiva contra Assad, enquanto outros ainda estão esperando por uma chance de sair. A maioria da população cristã da Síria já havia fugido durante a crise. Se algum deles retornará depende em grande parte da capacidade da Síria de se estabilizar ou se o país voltará a uma crise ainda maior, onde os cristãos podem novamente se tornar alvos de sua fé.
Finalmente, o declínio da população cristã da Síria continua por mais de uma década. O colapso econômico da nação, os ataques direcionados durante a guerra e o medo atual da falta de proteção estatal contra organizações terroristas deixam muitos cristãos com medo de ficar. Alguns cristãos corajosos podem permanecer por escolha, enquanto outros podem não ter outra opção a não ser ficar. Para os cristãos convertidos de origem muçulmana, os desafios provavelmente persistirão. É improvável que os cristãos da Síria tenham muita voz direta na formação de um novo governo. No entanto, sua capacidade de influenciar a sociedade por meio de seus esforços pacíficos, sociais e de caridade há muito estabelecidos não deve ser subestimada. Mesmo como uma minoria pequena e decrescente, suas contribuições continuam vitais para moldar o futuro da Síria.
fonte https://www.persecution.org/2025/01/07/a-summary-of-whats-unfolding-in-syria/